Luís Mir lança livro com tese polêmica e guia digital

Luís Mir lança, na terça-feira, livro com tese polêmica e guia digital com milhares de links para pesquisadores

Noite de autógrafos dia 24 na Livraria Drummonddo Conjunto Nacional na Avenida Paulista, 2073

Raças não existem. Pele não tem cor. O que existe é desigualdade social e discriminação. Geneticamente, somos todos iguais, como o mesmo DNA, e diferentes pigmentações na pele. 

Em torno dessa ideia, e neste seu novo e controverso livro, (“Brasil Apartheid – Genética de populações”, Geração Editorial, 416 pp., R$ 98,00) o pesquisador médico Luís Mir trata de um tema polêmico, o conceito de “raça”.

O livro terá noite de autógrafos nesta terça feira, dia 28 na Livraria Drummond (Avenida Paulista, 2073, em São Paulo).

Mir compra uma briga também com os grupos identitários. Para ele, os espaços de trabalho e poder não devem considerar a cor da pele, mas a capacidade de cada pessoa, não importa sua origem social.

Raça não existe

O que existe, afirma Luís Mir, é o apartheid, a nova escravidão, que ele aborda agora a partir da genômica, um ramo da genética. Ele destrincha a contrafação do dogma de “raça”, algo que segundo ele nunca existiu ou existirá. 

Para ele – e para a ciência – raça não existe. É uma construção não científica, puramente social e econômica, engendrada para distinguir as populações africanas, dividi-las e explorá-las para a colonização do Novo Mundo.

A espécie humana, lembra Mir, surgiu na África há apenas 300 mil anos, 13,4 bilhões de anos depois do Big Bang.

Descendemos de um primata, que desenvolveu um grande cérebro e habilidades. Este ser primitivo – como homo – evoluiu em seu berço africano, conquistou, espalhou-se pelo planeta, adaptou-se aos diversos ambientes, assumiu diferentes características e tons de pigmentação, pela interação de genes e meio ambiente (com a evolução e a epigenética a bordo).

“Não existem raças”, insiste Mir. “Somos todos iguais, em termos de genética, fisiologia, inteligência, cognição – temos todos a mesma capacidade e desenho anatômico. A pigmentação não expressa, não identifica e muito menos admite classificações ou diferenças, quaisquer que sejam, entre humanos. Gradações dela não são cor da pele. A pele é incolor.

Na África, para se proteger da radiação solar e danos ao DNA, a pele, como maior órgão do corpo humano, desenvolveu pigmentos evolutivos, que, por acumulação de melanócitos a tornaram mais ou menos escura. O homem migrou para áreas frias e pouco ensolaradas do planeta e nelas progressivamente a pele perderia a pigmentação, a foto-proteção original.

Durante séculos, desde o século XVI, europeus raptaram milhões de africanos livres e os levaram como escravos para a América. Estavam disponíveis e os europeus não tinham mão de obra suficiente para a conquista do Novo Mundo.

O médico e pesquisador Alberto Kanamura, que faz a apresentação deste livro, lembra que, com o argumento de que cristãos não poderiam ser escravizados, a Europa aboliu a escravidão na Idade Média. Mas as Américas precisavam de braços e logo a Igreja Católica, hipócrita, tornou-se sócia desse tráfico e exploração humana, ao sacralizar que o africano era uma subespécie e podia ser escravizada. Assim começou a diáspora, a grande tragédia para os milhões de africanos que foram raptados, e milhões deles mortos ao longo de 300 anos.

A ciência comete erros, denuncia Kanamura, por isso precisa ser revisada de quando em quando. Luís Mir, diz ele, revisa a ciência e demonstra como o homo sapiens é uma espécie única. A partir dele, cultores do apartheid terão que revisar seus conceitos. Os atuais conflitos étnicos só poderão ser resolvidos com reparação e justiça social e o fim do apartheid.

Para facilitar esse processo de informação e revisão, e desconstrução total do racismo, Luís Mir fez um gigantesco trabalho de pesquisa e construiu um Guia Digital (na internet) com milhares de links para livros, pesquisas, teses, vídeos, filmes, fotografias e uma vasta gama de informações sobre o tema. No final, um QR Code com link para um Guia Digital surpreendente, pelo tamanho de sua abordagem: textos e links que encaminham leitores e pesquisadores para milhares de sites, vídeos, filmes, livros, teses, fotografias – quase tudo de importante que já se escreveu, pesquisou, se ilustrou e se filmou, no mundo, sobre a genômica, a nova ciência mãe, em contraponto ao Apartheid, a escravidão reciclada e atual. Ele será permanentemente revisado e acrescido de novas descobertas genômicas sobre a jornada planetária humana.

O Guia pode ser acessado em www.brasilapartheid.com

Sobre o autor

Luís Mir é pesquisador premiado do campo médico e historiador. Autor de “Genômica” (2004), Prêmio Jabuti em Ciências da Saúde (1º lugar); “Guerra Civil – Estado e Trauma” (2005), pela Geração Editorial; “O Paciente – o Caso Tancredo Neves” (2010); “O Diretor – FMUSP 1994-1998” (2023). No prelo, “Medicina Genômica”. Tem obras de referência como historiador: “Revolução Impossível – a Esquerda e a Luta Armada” (1994) e “Partido de Deus – Fé, Poder, Política” (2007).

ENTREVISTA

Ao editor Luiz Fernando Emediato

Em seu livro, você trata do conceito de que raça não existe, pele não tem cor. Isso não é novidade na Ciência. O que você nos traz de novo?

Que podemos, finalmente, desconstruir e abolir essa crime humanitário continuado – o apartheid – não só aqui, mas no mundo, baseado na pigmentação da pele e numa suposta inferioridade cognitiva e orgânica dos afrodescendentes. Esse apartheid é tão cruel quanto aquele tráfego humano escravista iniciado pelos portugueses na costa africana a partir do século XVI. Que se ampliaria para muitos países europeus até o século XVIII e parte do XIX.

O que é genômica?

É o maior salto científico , em termos biológicos, do século XX. Explorar a última fronteira da constituição e desenvolvimento dos seres humanos (e de outros seres vivos). Além das células, órgãos, aparelhos, sistemas, estamos desbravando o DNA, genes, cromossomos, proteínas. Em grau molecular. Com ela, podemos investigar todo o ciclo da vida, desde sua origem até o seu fim. O Projeto Genoma Humano acabou com as mistificações criacionistas, religiosas, suposições fantasiosas, a má ciência.

Por que o Homo sapiens é uma espécie única?

Porque somos descendentes de um único primata – chimpanzés (com pequenas contribuições dos bonobos) – todos com o mesmo DNA, em todo o planeta.

Como você acredita que os militantes antirracistas identitários vão receber o seu livro?

Terão a disposição deles – integralmente – a genômica, a ciência, para a derrubada, a partir dessa matriz, dos crimes contínuos, seculares, na atual civilização brasileira em relação aos afrodescendentes. Que continuam a sofrer, em maior ou menor grau, a mesma exploração, desqualificação, confinamento nos espaços urbanos, em favelizações, que emulam guetos mantidos pelas várias formas de apartheid. Mas o mal original é único, o mesmo. Há séculos.

Os movimentos identitários antirracistas defendem que devem reivindicar cotas, espaços de atuação na sociedade e reparação pelo que seus ascendentes escravizados sofreram. Há quem diga que esse movimentado centrado na identidade divide a luta política geral pela igualdade social. Qual a sua opinião?

Pergunta mal formulada.

Vou reformular. O movimento de resistência afro-brasileiro está no caminho certo?

Você quer saber qual a verdadeira identidade da afrodescendência? O fator identitário não pode ser resumido à pigmentação da pele. Melanócitos não são doutores, são características evolutivas. Na luta por espaço político, social, econômico, o movimento de resistência afro-brasileiro, enfim, tomou um caminho que considero equivocado. A relevância dada à pigmentação da pele como direito primário, nas disputas por espaço de poder e representatividade, não é a melhor escolha. Pigmentação de pele não é notório saber, competência, mérito. É apenas uma característica fenotípica, epigenética, resultante da interação entre genes e meio ambiente. Martin Luther King nunca reivindicou a pigmentação da sua pele e sim direitos civis igualitários.

Perfeito. É o que o livro deixa claro e é o que queria saber. Mas, sigamos: a partir do século XVI, com as grandes navegações, os europeus invadiram a África, destruíram povos inteiros (havia civilizações avançadas lá), raptaram e escravizaram milhões de seres humanos para trabalharem à força nas terras do Novo Mundo. Como conseguiram fazer isso – raptar e escravizar seus iguais – sem agredir suas convicções religiosas?

A Igreja Católica, confissão dominante, especificamente o exército papal, a Companhia de Jesus, uma ordem religiosa paramilitar, foi sócia nesse empreendimento colonizador escravista. Os jesuítas formaram companhias para a exploração conjunta no tráfico e venda dos escravos africanos. E impunham a conversão forçada dos escravos para a religião oficial colonizadora. Os jesuítas portugueses foram maléficos em suas empreitadas evangelizadoras.

O prefaciador de seu livro, Alberto Kanamura, o enaltece e afirma que a Ciência às vezes erra e precisa ser revisada. Que revisão você faz em seu livro?

Uma nova abordagem – científica, genômica – do apartheid como sucedâneo imediato da escravidão, após a sua abolição formal, e não real. Ele é tão cruel e desumano como a escravidão o foi nos quase quatro séculos em que foi presente em todo o território nacional. Ele persiste, incólume, como crime humanitário continuado. Com tantos danos quanto.

No final de seu livro há um QR Code que remete para um site com conteúdo gigantesco e variado. Qual o propósito desse site e como você o construiu, com tanta informação?

Eu não vou discutir, polemizar, controverter, o apartheid, fora do contexto, à margem, do campo genômico. O debate, discussão, críticas, todas, que eu venha a ter, serão nesse campo científico. O que estou propondo é uma desconstrução, uma nova abordagem do apartheid, mas sempre no campo genômico. Esse é o objetivo desse guia virtual, como do meu livro, de colocar no banco dos réus os responsáveis por essa calamidade humanitária.

Qual é o objetivo do conceito de despigmentados que você utiliza no livro?

É proposital. Para contrastar com a denominação ofensiva, infame, utilizada pelos ditos “brancos” sobre os afrodescendentes, sempre citados como negros, pretos, genericamente. Até porque todos os seres humanos têm a mesma pele, incolor. O povo africano é privilegiado – mantém alta proteção contra a radiação solar e danos ao DNA. Sua pigmentação é evolutiva.

Os modelos da supremacia branca no século XX utilizaram todos os tipos de estereótipos.

Tarzan, o despigmentado, atlético, cognominado o rei dos macacos, dominador de toda a floresta, de todos os seus habitantes e animais. Criado pelo norte-americano Edgar Rice Burroughs. E o mito do super homem, criado por Friedrich Nietzsche, pedra angular do nazismo na exaltação do mito ariano. A Europa é uma fortaleza “branca” desde sempre. O país mais discriminador nela é a Finlândia.

E a representatividade afrodescendente nos poderes nacionais?

É residual, insignificante, na superestrutura do poder. Nunca houve um presidente da Câmara dos Deputados, do Senado, de raízes africanas. Ou um presidente da República. Em todas as esferas de poder político, nos tempos atuais. Uma única exceção, em toda a sua história, foi do STF, com Joaquim Barbosa, que saiu pela porta dos fundos depois de comandar o Mensalão na corte. Vou repetir, por ser importante: temos atualmente uma perversão na luta dos afrodescendentes por espaço e representatividade no Estado brasileiro. Pigmentação de pele como critério primeiro para a disputa de cargos, e não a especialização exigida. Pigmentação da pele não é notório saber, contribuição social, mérito republicano. Pertencem a outro campo, o da evolução.

Como afirmava Martin Luther King…

Martin Luther King nunca reivindicou a pigmentação da pele na sua luta contra o apartheid. Era pelos direitos civis, a igualdade jurídica, o acesso igualitário das oportunidades para os afro-americanos. A luta dos afrodescendentes brasileiros deveria ser pela igualdade de direitos sociais e legais. Igualdade “racial” é de uma estupidez monumental.